"Arquivo colonial abriga factos desconhecidos"

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José Mattoso

Historiador

Nasceu em Leiria, tem 74 anos

É considerado um dos maiores especialistas em História Medieval. Foi monge beneditino até 1970. Depois, docente universitário, vice-reitor e director da Torre do Tombo.

O acordo recentemente celebrado entre a Fundação Calouste Gulbenkian e uma equipa chefiada pelo medievalista José Mattoso prevê a disponibilização da documentação dispersa do arquivo do Ministério do Ultramar, extinto em 1974. Trata-se de uma documentação imensa e preciosa que faz parte da história colonial portuguesa e da história dos jovens países africanos que nasceram com a descolonização. O historiador explica como se processará a etapa que acaba este ano.

Como surgiu a ideia de propor o tratamento da documentação do ex- -Ministério do Ultramar?

Há imensas solicitações de investigadores estrangeiros. Sempre foi necessária e é cada vez mais indispensável. Urgente. Está ali parte da história dos independentistas africanos. Existe ainda informação, estudos e relatórios de carácter económico, que não é minimamente aproveitada pelos novos países africanos.

Agora os arquivos coloniais estão dispersos por várias instituições.

Não defendo a sua unificação. Mas é preciso concertar a inventariação dos documentos e definir prioridades, para essa separação institucional não prejudicar os investigadores. Agora, o importante é pensarmos em salvaguardar, tratar e disponibilizar essa informação com recurso às novas tecnologias.

E actualmente prejudica?

Claro. Por exemplo, o Arquivo Histórico Ultramarino teve sempre problemas.

Onde acaba o acordo com a Fundação Gulbenkian?

Fizemos um primeiro diagnóstico para identificar os quatro arquivos coloniais mais representativos: Arquivo Histórico Diplomático (AHD), Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Instituto Português do Apoio ao De-senvolvimento (IPAD) e Direcção- -Geral do Tesouro (DGT). Pareceu- -nos mais seguro dividi-los. É fundamental ter resultados rápidos para não ficar demasiado tempo à espera que a informação esteja disponível. Nesta primeira fase avançamos com os trabalhos no IPAD e AHD, onde se prevê investir uns cem mil euros. Na segunda fase, e depois de celebrados os protocolos com os ministérios, deverá avançar-se para a DGT e AHU.

Vão tratar, seleccionar, recuperar?

A reconstituição tornou-se o princípio básico da arquivística moderna. Vamos reconstituir a estrutura do ex-Ministério do Ultramar para se reconhecer as funções dos documentos. Alguns desses fundos foram dispersos, é preciso reconstituir a sua estrutura. Em certos casos a documentação está em risco de desaparecer, por más condições.

Onde está a documentação?

Dispersa por depósitos de vários ministérios. Alguma em arquivos metálicos com ferrugem, outras vezes inacessível. Já houve acidentes, telhados caídos, telhas partidas. Parte está em óptimo estado, outra não. Há arquivos com fundos tratados que possibilitam o acesso, outros não. Mas a informação tratada não está integrada na estrutura do Ministério do Ultramar como um todo.

Quanto tempo demorará a 1.ª fase?

Já começámos a trabalhar, deve estar concluída em nove meses. A equipa tem oito pessoas, investigadores, arquivistas, informáticos, técnicos de preservação, e é chefiada por José Maria Salgado, que trabalhou comigo na Torre do Tombo. E eu como director científico.

Haverá revelações surpreendentes?

Os investigadores terão de saber as prioridades. Mas sobre os movimentos independentistas, a política de fomento do Estado Novo ou as decisões dos governos das colónias - aí haverá revelações de decisões políticas e acontecimentos desconhecidos até agora. E há dados úteis sobre obras públicas, prospecções petrolíferas, missões de recursos naturais... em grande quantidade.

Está ali toda a história colonial.

Desde que foi criado o Ministério das Colónias (1911), começou-se a reunir documentação do século XVII. Mas também lá todos os projectos anteriores a 1974, como Cahora Bassa, o porto do Lobito. Tem toda a informação excepto a que foi em 1974 para o AHU e MNE e outra dispersa por sítios insuspeitos. Temos documentação riquíssima.

Que reconstituição virtual farão?

Haverá uma base de dados que abrange a documentação. Com o inventário feito, ficam criadas condições para se disponibilizar na Net.

E ficará acessível?

Não está definido. Pensamos apresentar propostas sobre isso. Nós só fazemos a reconstituição, os arquivos ficam com os detentores. A base de dados e o inventário vão reunir parcelas de um todo, a acessibilidade não depende de nós. Mas iremos propor que se disponibilize essa informação. Não faz sentido este investimento se depois a informação não estiver disponível, com a indicação da sua localização e formas de consulta directa.

Depois deste trabalho ainda fica documentação "escondida"?

Penso que o arquivo do Banco Nacional Ultramarino é muito importante, como o da antiga Junta de Investigação.

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